Diario de um portador de Hepatite, Eu, a 23 anos carregando esse virus comigo Parte I

Era uma sexta feira do ano de 1992 eu cheguei em casa, ja passavam das 18 horas e la havia um telegrama para mim, era do Hemocentro de Porto Velho, me convocando para uma nova bateria de exames, pois na doação que eu havia feito algum problema havia dado nos meus resultados, eu tinha apenas 28 anos, prestes a receber um resultado de HIV Positivo, isso era a única coisa que se passava pela minha cabeça e eu nao conseguia pensar em outra coisa, tentei ligar durante todo um final de semana para o Hemocentro, o maior final de semana de toda a minha existencia, cheguei a ir ate lá e a resposta era a mesma: : Só na Segunda! E achando aquele ato praticado pelo Hemocentro, o ato mais irresponsavel que um Órgao pode cometer tive que aguardar e na segunda feira ao retornar la soube que era o exame anti HCV que havia sido positivado e que eu deveria colher novamente o sangue para um exame de confirmação, e lá muito contrariado eu fiz o exame novamente e aguardei pelo resultado. Quando confirmado pelo PCR eu ja sabia além da confirmação, mais duas coisas: Eu era portador de Hepatite C, do Tipo 1 (o pior deles) e minha Carga Viral era muito alta. E saber o que era a Hepatite C, nunca ouvira falar nisso, nas pesquisas que fazia, o negocio era tao novo que ao se referir a Hepatite C, diziam Nem A e Nem B, geralmente era assim que apareciam as pesquisas. Com uma semana eu sabia que se tratava de uma doença sem cura e que os medicamentos usados no tratamento eram todos uma Pesquisa, nao passava de testes e ali alem de ser Portador eu tambem me transformaria em mais uma Cobaia da Medicina. O Banco de sangue onde era doador a pelo menos cinco anos, nao faziam esse exame Anti HCV, isso tudo era algo novo, fiquei chocado com tudo isso, eu estava casado e ja tinha duas lindas filhas, uma com cinco anos e a outra com 4, pensar na morte era algo inevitável e mesmo sem querer deixar transparecer para minha mulher, eu mesmo me mostrava muito preocupado. Fui entao encaminhado ao CEMETRON Hospital de Doenças Tropicais de Porto Velho e la me encaminharam ao CEPEM, que era um Centro de Pesquisas dentro daquele Hospital, passei por uma entrevista enorme e a menina ali me atendendo chamava-se Márcia, nunca esqueci da cara triste daquela moça, que sofria com o resultado Positivo em seu Pai e seu Irmão, mas fiquei ali naquela ante sala observando as pessoas que lá estavam e via uma tristeza infinita no olhar de cada uma delas, embora ja soubesse que a doença era totalmente assintomática (sem sintomas) eu chagava as ver muito amareladas, com olhos fundos, magros, simplismente horrível aquela cena ali na minha frente. Quando finalmente entrei com o médico passei la com ele por pelo menos 2 horas, me explicou quase tudo, tocou meu figado com as mãos, me fez responder ali um questionário imenso,Já fez cirurgias? Tem tatuagem? É homossexual? Ja teve relacionamentos homossexuais? Fez tratamento dentario nos ultimos anos? Qual Clinica? Lembra de equipamentos usados e se os mesmos eram esterelizados?....enfim milhões de questionamentos que pudessem chegar a um Culpado por eu estar ali. E ai fui só aprendendo, me falou de uma medicação que vinha sendo usada nos portadores na tentativa de coibir a proliferação do Vírus e me entregou ali uma bula do medicamento, para que eu lesse e relesse mil vezes para saber tudo o que viria pela frente, a medicação era o Interferon e o tratamento era feito por conta do Estado. Sai dali, mais pesado do que havia entrado, com uma bula nas maos que mais parecia um livro (nunca vi nada igual) e os questionamentos em minha mente me faziam sentir medo. Me enterrei naquela bula, sabia todos os riscos e benefícios que aquela medicação poderia me causar, pensei mais nos locais onde já havia passado por algum ato cirurgico, e havia apenas um local chamava-se Clinica Estrela, creio que era um dos hospitais particulares mais antigos de Porto Velho, la fui submetido a dois procedimentos um uma Varicoceles (varizes nos vazos espermáticos) e a outra uma cirurgia estética para retirada do escesso de pele no prepúcio (cabeça do penis), além disso havia sido submetido a tratamento dentario na Clinica do Instituto de Previdencia do Estado de Rondonia - IPERON, em suma, ambos os locais eram sinistros e não ofereciam muita esterelização daquilo que utilizavam, altamente viável e possivel que eu tenha sido pego por ali, no entanto, passado é coisa que nao se consegue esconder, ao menos de si mesmo, voce carrega pra sempre e eu carregava comigo o fato de ter sido abusado sexualmente por um homem aos 11 anos de idade, além disso havia tomado Gluconergan na veia, e se bem me lembro, havia sim compartilhamento de agulhas. Mas sempre carreguei comigo um ditado: De nada adianta chorar sob o leite derramado. E eu tentei seguir enfrente. Pesquisei tudo sobre a Hepatite Nem A e Nem B e que eu sabia ser a Hepatite C e na maioria dos casos os pacientes eram todos cobais, já acreditava que tudo dependia do organismo de cada pessoa. Três meses depois eu voltava ao CEPEM para dar inicio ao tratamento, colhia antes da consulta as transaminais(TGO, TGP e Bilirrubina) e ja com resultado nas maos ia para a consulta, lá entao foi decidido que seria dado inicio ao tratamento. Eu deveria tomar Paracetamol 750 miligramas, duas horas antes de tomar o Interferon, recebi a medicação e fui para casa. Mas nao comecei naquele dia o tratamento, medicação armazenada, esperei o momento propicio para dar início ao tratamento, sem contar que entrar no Interferon era como firmar convenio, sem bebidas, sem isso, sem aquilo e assim ia. Tratei de levar a familia para se submeterem ao exame para saber se alguma delas era portadora, felizmente nenhuma das tres são portadoras, nem minha mulher e nem minhas filhas. Por outro lado a cada dia eu tinha mais certeza da imprecisão que era saber os meios de contaminação, descobri ali que não haviam campanhas difundidas como as campanhas sobre a Aids, porque na verdade nao se sabiam os meios reais de contaminação e creio que até hoje não sabem. No início sentia vergonha em ser portador do Virus, mas depois vi que de nada adiantava a vergonha, eu tinha era que falar la no meu salão que cortava cabelo, onde fazia a barba, no meu dentista e no meu médico. Fui fazer terapia para tentar aceitar tudo aquilo, afinal eu tinha ali um prazo de vida e essa era a pior parte da história, pois não conseguia entender que poderia morrer sem ver milhas filhas crescerem, não eu não podia traí-las daquela forma, era muito cruel pensar em morrer em dez anos. Numa viagem programada pela minha mulher a trabalho e tendo ficado só com as meninas num final de semana, resolvi começar o tratamento. Foi a pior decisão que tomei ali. Tomei o paracetamol duas horas antes (18 horas) e as 20 horas sai para a farmácia tomar a injeção. Tomei e retornei, as meninas ja estavam dormindo quando a febre começou, o frio era insuportável e passei ali das 22 até a meia noite com uma febre horrivel, tomava mais Paracetamol, ai vinha uma diarréia, até as tres horas dividi a cama com o vaso sanitário, olhava para o quarto das meninas e chorava de medo, medo de morrer e delas me encontrarem morto ao amanhecer. Depois das tres horas veio entao a ancia de vomito e eu vomitava, vomitava sem ter mais o que vomitar e ainda vomitava. Quando penso que tudo passou, la vem a febre de novo. Resultado as 6 horas da manha, embora estivesse vivo eu estava acabado. Custei a entender que tudo ali era reação medicamentosa, nao vomitava ou tinha diarréia por ser portador de hepatite C, mas pela reação de um forte medicamento que eu começara a tomar. No dia seguinte eu nao tomaria, era uma sexta feira e resolvi entao levar as meninas para dormirem na casa de uma amiga a Flavia e levei, voltei mais tranquilo pois sabia que pelo menos nao seriam elas que me encontrariam morto se algo acontecesse. No sábado voltei a tomar, de novo o paracetamol e ai o Interferon, ai eram tres horas de febre, tres de diarréia e tres de vomito , até que a febre voltasse novamente. Fiz o tratamento por seis meses, as transaminais não indicavam mudança alguma, mas cheguei a emagrecer e perder um pouco de cabelos no corpo. Hoje tenho a sensação que fui submetido a quimioterapia sem saber que era dessa forma. No final desse primeiro tratamento foi solicitado uma biopsia, minha vida havia mudado, eu tres vezes por semana sentia muito cansaço, preguiça e muita moleza, sono era meu nome. A primeira Biópsia foi feita num Hospital Particular mas com um medico indicado pelo médico que acompanhava meu tratamento, ele introduziu a agulha no lado direito da costela e atravessou até chegar no fígado onde fez tres pulsões para a retirada dos pedaços que iriam para a biopsia. Descobri depois de alguns dias que aquele mesmo médico estava licenciado com esquizofrenia, e isso quer dizer que fui colocado nas maos de um profissional que diante de qualquer tremida poderia perfurar qualquer órgão do meu organismo. O resultado vei dois meses depois, o virus havia atingido meu fígado e ja havia sinal de necrose, mínimos, mais haviam, além de muita esteatose (gordura). Eu imaginava uma moela de galinha caipira, envolta em gordura bem amarela. Parei por seis meses o tratamento e quando retornei, já era bem entrosado junto aos portadores da doença e me deparei com a falta de medicamento por parte do Estado e entao resolvemos fundar uma Associação de Portadores de Hepatite, para ter força para brigar com o Estado na reivindicação da medicação, e ai dei inicio a mais um tratamento, que era a junção do Interferon com a Ribaverina. A reação desse casamento de medicamentos era muito mais forte, mas como nos acostumamos a tudo, eu já consegui sobreviver com mais facilidade, embora muito cansado, com vontade louca de tomar cerveja e nunca deixei de fumar. No meio desse tratamento resolvi viajar para Ribeirao Preto,destino Ambulatório de Hepatites do Hospital das Clínicas, levei comigo todos os exames que eu tinha em mãos. Lá chegando, entrei as 7 e 30 naquele consultorio, pequeno e cheio , uma médica infectologista e mais 8 estagiários, passei o dia todo respondendo a questionários e relatando minha história, além de fazer muitos exames, ao final do dia com os resultados nas mão a médica me atendeu sózinha e me disse: Voce vai dar início a mais uma fase do tratamento, com a mesma medicação e nós vamos acompanhar esse tratamento, todos os exames que o senhor devera fazer de quinze em quinze dias, o senhor encaminhará pra mim e se precisar me ligar eis aqui meus telefones. No final ja com quase um ano da primeira biopsia nós repetiremos o exame. O senhor nao deve tomar nenhuma medicação que contenha Paracetamol (tylenol) nem pensar, não pode usar nenhum tipo de anti micótico, pois tudo que voce toma acaba metabolizando no fígado e esses medicamentos podem acelerar a falencia do seu fígado, não deve comer banana, abacate, alcool nem pensar e evitar tudo que seja muito gorduroso, durante esse tratamento evite carne gordurosa. Me entregou ali o encaminhamento para que eu pegasse a medicação para os tres primeiros meses e voltei a Rondônia, revoltado com meu médico que recomendava o uso do Paracetamol no meu tratamento e pela falta de zelo que senti da parte dele. Aqui em Rondonia , embora um lugar menor, me senti só mais um naquele tratamento. Senti tambem uma rejeição por parte desses profissionais quando falei que havia ido a Ribeirão Preto, aprendi que mesmo os médicos são competidores entre si. Aprendi muito nesse tempo, assistindo ao filme intitulado Cobaias que trata sobre o tratamento da sifilis nos Estados Unidos, que mesmo depois da invenção da Pinicilina, continuaram a enganar uma comunidade sobre a cura da doença e acabei vendo que no tratamento da Hepatite isso tambem poderia ocorrer, pois existe muito interesse nos recursos aos Órgãos que trabalham com esses portadores, onde uma desistencia por parte de um portador de hepatite, pode significar a perca de uma parte dos recursos recebidos e as vezes eles chegam a comunicar óbito que é uma maneira de repor alguem naquela vaga e não perder o recurso. Com três meses de tratamento fui orientado pela médica a suspender o tratamento, pois os resultados não haviam chegado e seguir enfrente era somente sofrer com as reações medicamentosas. Aprendi que o mais importante de tudo isso é nossa alto estima, voce nao pode garregar raiva, rancor, deve tratar de perdoar as pessoas que te fizeram sofrer, que te magoaram e tentar viver bem, pois esse é o melhor remédio para afastar as celulas cancerigenas e voltei a ter uma vida normal, sem banana, sem abacate, sem material contaminado, comunicando a todos ser eu portador de hepatite, mas nao abrindo mão de uma costela bem assada, uma cerveja bem gelada e de vez enquando uma panelada para não esquecer o gosto. Suprimi a pimenta e hoje esporadicamento saboreio uma malagueta, evito carne de porco (mas adoro carne de porco) e as vezes até como. Me disseram que figado não dói e eu acredito nisso, por mais inflamado que ele se apresente nao sinto dores. Incentivo as pessoas a fazerem o exame mais de duas vezes do anti HCV e tambem sempre a procurarem um centro de referencia para o tratamento. Hoje em Rondonia já não indicam o Paracetamol aos portadores de Hepatite, os medicos ja nao me atendem mais no ambulatório do CEPEM e nehuma droga inventada até agora é capaz de resolver o meu caso, pois segundo minha infectologista o remedio nao apresenta resultados em pacientes obesos e eu tenho 140 kilos, sofro com alguns problemas, nao faço a bariatrica pois ela não e recomendada a portadores de hepatite, pois voce perdera muita gordura num espaço curto de tempo, essa gordura vai metabolizar no figado, que debilitado vai ter que fazer um esforço imenso para metabolizar tudo isso e pode chegar a falencia. Tenho pedra na visicula, mas nao tiro pois nao é recomendada a retirada da vesicula biliar aos portadores de hepatite. Mas vivo bem e feliz, semana que vem vou a mais uma biopsia hoje feita por um especialista em Imagens que nao me faz sentir nada, além de tranquilidade, para se ter uma idéia nem aviso ao pessoal aqui em casa quando vou fazer, vou dirigindo, faço o procedimento e volto dirigindo, mantenho repouso por um dia e fica tudo bem. Nao faço visitas constantes ao médico pois minha Infectologista é Particular, o estado nao me atende e entao de tres em tres meses vou a um clinico e peço que ele prescreva meus exames transaminais e conforme o resultado procuro minha médica. Sou constantemente atingido no meu humor e me irrito facilmente, ate que consiga respirar e me acalmar, atribuo isso a doença, mas nao me sinto doente. Vem uma segunda parte por ai, mas adianto vivi momentos de felicidade incriveis, vi minhas duas filhas se formarem , uma em Enfermagem e outra em Direito, vi minha filha casar e vivo meu neto hoje que tem dois aninhos. Costumo dizer que vou morrer de falencia multipla dos órgaos, e sempre digo que vivo de creditos. Vi um filme uma vez chamado Alcatraz, em que o Paul Newman preso numa solitária, salta nas grades acima de si e grita: Ainda estou vivo desgraçados. Eu a cada amanhecer mentalizo depois de orar e mando meu recado os virus: _ Ainda estou vivo desgraçados....até mais

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